quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Espanha.

Rafael, antes de chegar a espanha me apareceu a caminho
a tua poesia, rosa literal, cacho biselado,
e ela até agora tem sido pra mim não uma lembrança
mas uma luz olorosa, emanação de um mundo.
A tua terra ressequida pela crueldade trouxesteo orvalho que o tempo havia esquecido,
e a Espanha acordou contigo na cintura,
outra vez coroada de aljôfar matutino.

Recordarás o que trazias: sonhos despedaçados
por implacáveis ácidos, permanências
em águas desterradas, em silêncios
de onde as raízes amargas emergiam
como paus queimados no bosque.
Como posso esquecer, Rafael, aquele tempo?

A teu pais cheguei como quem cai
em uma lua de pedra, encontando em todas as partes
águias do agreste, secos espinhos,
mas a tua voz, marinheiro, esperava
para dar-me boas vindas e a fragrância
da flor de laranjeira, o mel dos frutos marinhos.

E a tua poesia estava na mesa,nua.

Os pinheirais do Sul, as raças da uva
deram a teu diamante cortado suas resinas,
e, ao tocar tão formosa claridade, muita sombra
da que traz o mundo, se desfez.

Arquitetura feita na luz, como pétalas,
através de teus versos embriagador aroma,
eu vi a água de antanho, a neve hereditária,
e a ti mais que ninguém devo a Espanha.
Com teus dedos toquei colmeia e páramo,
conheci praias gastas pelo povo
como por um oceano, e os degraus
em que poesia foi rasgando
toda sua vestimenta de safiras. (...)